sábado, outubro 27, 2007

Palavras: vítimas ou algozes?

Quem me conhece sabe o quanto esse tal código me intriga e me irrita: Palavras!
Por que essas tais palavras existem?
Se dentro das convenções lingüísticas, que permitem o mínimo de interação entre as pessoas, cada um entende e aprende a partir de suas próprias vivências, pra que mesmo elas existem?
Será mesmo que elas conseguem alcançar um de seus objetivos que é facilitar a interação humana?
Não sei!
Eu vejo é que cada vez mais, há a invenção de palavras pra dar conta dessa tal comunicação e nunca me parece o bastante!
Será que não seriamos mais felizes se apenas sentíssemos um ao outro?
Não, não! Não acho que esteja sendo romântica demais, nem tão pouco anti-científica. Afinal de contas você pode até estar pensando: e como o saber científico, ou popular, seria passado de geração à geração?

Sobre esse assunto (forçadamente) eu indico uma leitura: “O mal da civilização” escrito por Freud. Como a maioria dos escritos dele, há uma aparente enrolação que por alguns momentos pode até tirar o leitor do sério, mas no final da leitura, acaba entendo, dentre tantas coisas, o quanto de idéias ele passou. Seu papel, como leitor, é perceber isso.
Mas ele coloca que um dos males da civilização, de outrora, que não difere muito das de hoje, são os desejos criados. Ou colocando uma palavra menos psicanalítica: O mal são as vontades criadas. Já faz um bom tempo que li esse livro, mas me lembro bem de um exemplo que Freud coloca. Ele fala de uma mãe que sofre por ter um filho longe, por não poder ter um modo mais rápido de visitá-lo. Pois bem, o mesmo mal que ela sofre por não existir é o mesmo mal que levou o seu filho pra longe: a civilização. Se não houvesse o trem que levasse seu filho pra longe, ela não sofreria pelo desejo que haja um avião, por exemplo, para trazê-lo de volta mais rápido. O tempo todo estamos criando desejos para suprir e compensar outros.
Um dia, nem lembro porque, um professor meu do ensino médio disse uma coisa que jamais esqueci, ele estava concordando com Freud e talvez ele nem soubesse disso: “O poço dos desejos é um poço sem fim”.
Mas o que isso tudo tem haver com as palavras?
Pois é, juro que tem haver!
Se homem algum é uma ilha em si mesmo, as idéias muito menos.
Nós nunca vivemos em um mundo onde essas danadas, chamadas palavras, não existissem, como poderemos saber se o mundo seria melhor ou pior sem elas? Já nascemos sabendo que elas são essências a qualidade da nossa sobrevivência, agora cabe a nós aceitarmos e criarmos outras formas de desenvolvê-la. Assim como a civilização. Não adianta muito alguém aparecer e dizer: vamos todos andar à pé, porque em alguns anos vamos até querer voar! Mas o que estou dizendo?! Nos já sabemos voar! O mesmo cabe as palavras...

A palavra é algo tão complexo e significante, que há quem acredite que a saúde mental e o auto-conhecimento só é possível através dela. Mas como uma pessoa que estuda pra ser um agente que fornece um espaço pra que se dê esse auto-conhecimento e saúde mental, fico pensando se sou capaz mesmo de me apropriar e dar conta desse tal código... se há quem possa se apropriar ou mesmo entender as palavras do outro de maneira integral e verdadeira. Talvez esse seja o motivo de os analistas afirmarem que dentro de um setting terapêutico, os inconscientes conversam. E pelo que eu entendo as palavras não entram ai!
Eu acredito, sim, que as pessoas possam até falar a mesma língua, mas nem sempre falam, as mesma palavras, com o mesmo sentido e intenção. Talvez por isso, prezo tanto por aquelas expressões: “Como assim?” “O que você quis dizer com isso?”

E ainda, diante de tudo: Talvez as palavras tenham vindo e consigam mesmo alcançar seu objetivo de facilitar a interação humana. E eu fico colocando a culpa do problema do mundo nas coitadas das palavras. È triste pensar, mas quem sabe Schopenhauer, com seu pessimismo, tenha mesmo razão quando disse que os humanos interagindo são como porcos espinhos com medo do frio? Não há como se encontrarem de maneira fácil e segura.

Então... Quem quer fazer uma greve de palavras com a minha pessoa?
Seria no mínimo interessante!
Ou então, quem sabe, eu não roubo a idéia de José Saramago* em criar uma cidade onde só existem cegos e uma outra onde as pessoas não morrem, e escrevo uma estória onde as pessoas não falam?
Essa eu bem que queria ver!
Contar uma estória onde as pessoas não usam palavras!
Quem sabe em um tempo onde as energias sejam comercializadas de maneira prática eu não consiga?!
E como sempre: tenho de terminar como comecei!

Palavras são vitimas ou algozes?


*Ensaio sobre a cegueira e Intermitências da morte

terça-feira, outubro 16, 2007

Saudade existe?

Em um dia desses, daqueles onde você se sente meio que “sem lugar”, estava eu mudando canais compulsivamente atrás de algo na TV que, no mínimo, fosse digno de minha humilde atenção, quando de repente me deparo com uma imagem que me pareceu, de pronto, curiosa. A cena era composta por nada mais nada menos do que aquela figura estranhamente estranha chamada Elke Maravilha e uma menina que deveria ter, no máximo, uns 10 anos conversando. Não sei bem porque, parei pra ver/ouvir o que elas falavam. E não é que fui surpreendida dentro do meu pré-conceito por novelas toscas e aparentemente sem nada muito bom a oferecer?! Elas estavam falando sobre esse tal sentimento chamado Saudade! Sim, sim.... acabo de me dar conta do que, além da figura contracenando, me fez parar e ouvir... era o tema! Sempre achei essa tal de Saudade muito estranha. Sempre escutei pessoas falando: “Estou com tanta saudade de você!”. E me sentia tão diferente ao me dar conta de que nunca era recíproco. Sempre procurava, e muitas vezes ainda procuro, um buraco pra me esconder quando escutava essa famosa frase. Pois nunca sabia, e nem sei se hoje sei, o que responder. Mas enfim, pensava eu que essa tal de Saudade nem existisse, ainda mais quando ouvi essa idéia estranha de que só em português existe tal palavra, pronto! Isso já foi mais do que o suficiente para me dar conta do fato de isso ser mais um invenção da mente humana pra dar nome ao que nem se quer existe. Mas fui crescendo e comecei a perceber que essa tal de Saudade PODE (eu disse pode) até existir, outrora me deparei com um sentimento bem parecido com a descrição que falam... Mas será mesmo que era Saudade? Bem, pensando sobre isso fui atrás de nosso eterno pai: o dicionário! E está lá claramente: desejo; lembrança de um bem passado ou de que se está privado; nostalgia; Pesar pela ausência de pessoa querida (grifo meu). Depois de ter lido isso, foi o bastante para me dar conta de que essa coisa estranha de Saudade pode memso existir. Mas o que me fez parar e pensar sobre isso, depois de tanto tempo, foi aquela conversa da novela. Sim, aquela com a Elke! E a conversa começou com o fato de a menina falar que sentia falta de uma pessoa importante e a personagem que a Elke interpretava tentava consolá-la, e aqui entre nós, foi um belo “consolo”, tão belo que aquelas palavras me consolam até hoje quando sinto “Saudade”. Pode parecer bobo aos olhos de que lê isso aqui, mas ela falava da diferença da Saudade boa e da Saudade ruim. Ela dizia que saudade ruim é aquela que você sabe que nunca pode “matar”, essa sim deve ter má conotação e fazer sofrer de fato. Mas por outro lado, há também aquela que é boa, essa a gente pode “matar” . Pois vem junto com um sentimento de esperança (esse é um dos sentimentos que eu mais gosto). E o mesmo legal é “matar” mesmo. Essa foi a parte que eu mais gostei, porque eu pensei: Nossa, eu achava que só eu reparava no gosto bom que tem “matar saudade”. Sempre pensei e penso que as relações precisam mesmo de um espaço pra que haja tempo pra essa tal de Saudade (seja lá o que isso signifique), como uma forma de preservar o Eu de cada um na relação mesmo. Talvez isso seja até um medo de “misturas” da minha parte, mas... é assim que eu vejo.

Enfim, penso que escrevi isso tudo aqui pelo simples fato de estar com Saudade, mas de que? De quem? Não sei! Então... como posso saber se é uma saudade boa ou ruim? Talvez precise buscar um novo “consolo” pra Saudades sem alvo. Mas se não tem alvo... será que ainda posso chamar de Saudade? Pelo visto, não mudei tanto minhas dúvidas como pensava. Ainda tenho uma dúvida: Saudade existe?

domingo, outubro 14, 2007

O estigma da felicidade

O *estigma da felicidade
Sim, isso mesmo... ele existe!

Como tudo escrito aqui está, de alguma forma, relacionado ao que eu percebo/vivencio (por isso o nome do blog), percebi que este estigma também existe. Construindo essa idéia pensei: “Mas para que esse “mal” exista, é preciso que haja, de fato, a felicidade. Então, é possível ser feliz?” Não consegui ir muito longe nesse caminho. Me perdi na estrada do conceito da palavra felicidade e ainda me dei conta que nem se quer precisava passar por ela. Pois, para que alguém sofra desse estigma nem se quer é preciso ser feliz. Não é a toa (nada é) que a palavra personalidade vem do grego “persona” que significa máscara, remetendo a idéia de atores contracenando em um teatro. Afinal de contas, somos todos personagens dessa história chamada vida que nem sempre é tão real como se conta. Como já disse Charles Chaplin de maneira muito feliz “ a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. (...)”. Durante muito tempo estamos contracenando papéis, e quem da os scripts? Nós mesmos, a partir de como vemos o mundo e criamos nossos conceitos. E já que toda relação é dual, talvez esse seja a parcela de “culpa” do estigmatizado, ele representa tão bem o papel de homem feliz que todos acreditam. No entanto, sofre quando não consegue sustentar essa máscara que tantas vezes parece um tanto pesada. Mas ninguém pode ser tão bom ator durante tanto tempo, nem mesmo de sua própria vida.

Então, se a “peça teatral” da felicidade é vista como realidade, será que isso se dá por uma falha na percepção do outro? Eu diria que não! Se há algum tipo de falha eu diria que é no desejo de ajudar. E quando falo em ajuda, passo longe do conceito de altruísmo (isso já foi refletido aqui, se de fato existe), se é que pode ser confundido como tal. Quando falo em ajuda, falo no simples ato. Ajudar, olhar... Olhar querendo perceber e enxergar o outro. Talvez isso sim, esteja faltando no ser humano: a disponibilidade e desejo de olhar o outro querendo enxergá-lo. “Qual motivo terei de contracenar meu verdadeiro papel, e por isso o mais bonito e mais bem elaborado, se ninguém ira olha-lo de maneira verdadeira e singular?” Talvez isso passe na mente das pessoas que insistam em usar máscaras tão densas, tão pesadas, tão incomodas...

Mas sinto que é preciso de um pouco de objetividade para falar de algo subjetivo. Afinal de contas, o que é esse tal de “estigma da felicidade” de que tanto falo? É um conjunto de idéias pré-formadas de algo, que no caso é a felicidade, que é “incorporado” em alguém. Todos os atos que são esperados de tal pessoa estigmatizada está ligada a um padrão pré-estabelecido de felicidade. È como se o alvo de tal estigma fosse tomado como O feliz, e qualquer comportamento que não se encaixe em tal “conjunto de comportamentos” soasse como algo estranho e desconecto. De tal forma que o ser estigmatizado passa a ser estranhado com qualquer outra atitude adversa ao seu conjunto de comportamentos esperados. A idéia de estigma está diretamente relacionado a idéia do pré-conceito no sentido stricto sensu da palavra. A partir disso, é possível pensar: “o que há de mal em ser “taxado” como uma pessoa feliz?”. Como todo estigma esse também trás prejuízos, pois ninguém é totalmente algo por completo. O ser humano é mutável e complexo demais para ser resumido em apenas uma idéia, um simples adjetivo. O estigma só serve para dificultar a existência plena do individuo, serve para reduzir o verdadeiro ser dos indivíduos e dificultar o olhar do outro.

No final de tudo isso me bate a porta uma outra (“Um homem nunca se banha duas vezes num mesmo rio...”) e mesma questão (são as mesmas palavras): é possível ser feliz, de fato? E por que ter de pensar sobre isso? Talvez a Clarice esteja mesmo certa e eu teimo em não aceitar quando disse:
“Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento.”.


*Estigma: Marca infimamente feita em ferro em brasa; ferrete. 2. Labéu, mancha, nódoa. 3. Pequena cicatriz de nascença.